ONDE se lia «o pobre injustiçado Hulk» deve agora ler-se «o pobre injustiçado Falcão». Onde se lia «o maléfico Ricardo Costa» deve agora ler-se «o maléfico Pedro Henriques». Onde se lia «o inocente Hulk espancou mesmo o steward mas não merecia o castigo» deve agora ler-se «o inocente Falcão acertou mesmo com a mão na cara do adversário mas não merecia o castigo». No mais, a choradeira mantém-se igual. Compreende-se. O Benfica vai à frente no campeonato, o que é muito estranho: o presidente do clube não convidou qualquer árbitro para sua casa na véspera de um jogo, não foi escutado a oferecer fruta e rebuçadinhos ao telefone, não pagou facturas de viagens ao Brasil, não prometeu quinhentinhos a ninguém. Além disso, parece consensual que o Benfica joga o melhor futebol. Quem não suspeitaria deste primeiro lugar?
Há cerca de três semanas, Maxi Pereira viu o quinto cartão amarelo por ter jogado a bola com a mão depois de, na verdade, não ter jogado a bola com a mão. Falhou o jogo com o Sporting. Não se verteu uma lágrima. Na última jornada, Falcao viu o quinto cartão amarelo por ter acertado com a mão na cara de um adversário depois de ter, de facto, acertado com a mão na cara de um adversário. Vai falhar o jogo com o Benfica. As carpideiras decretaram três dias de luto e ainda não pararam de chorar. Não admira: esta época, Falcao já jogou duas vezes com o Benfica e, ao longo desses 180 minutos, marcou um impressionante total de 0 (zero) golos. Mas era agora. Era agora! E, no entanto, segundo a opinião insuspeita e prestigiada de Cruz dos Santos, a decisão do árbitro deve ser respeitada porque ninguém pode saber se o chapadão foi propositado ou acidental. Mais: segundo o especialista, trata-se de uma decisão bem mais defensável do que a opção de não assinalar os dois penalties contra o Porto. Mas o clamor da berraria raramente deixa ouvir a voz do bom senso.
A grande sorte do Benfica na jornada passada não foi o castigo do Falcao, foi a circunstância de o Braga ter ganho. Se o Benfica fosse jogar ao Porto na qualidade de campeão, os jogadores podiam ter a tentação de entrar em campo com o cabelo pintado de vermelho, o que dificultaria a percepção do sangue a jorrar das cabeças. Se os jogadores do Porto entrassem em campo com a mesma disposição com que entraram na final da Taça da Liga, as mais que prováveis lesões passariam despercebidas. Há males que vêm por bem.
NÃO me custa reconhecer que talvez me tenha precipitado quando, na semana passada, evidenciei aqui, com o auxílio de divertidas citações, a euforia injustificada de pré-época manifestada pelos fiscais da euforia injustificada de pré-época. Afirmei que o Porto estava definitivamente afastado do título, mas posso ter-me enganado. De facto, neste momento o Porto segue no terceiro lugar, mas tenho a certeza de que, se recorrer para o Conselho de Justiça (CJ) da Federação, pode ainda vencer o campeonato. É uma pena que o CJ não tenha poderes nas competições da UEFA, caso contrário acredito que teria reduzido o castigo que o Arsenal aplicou ao Porto. Em vez de 5-0, reduzia para 2-0, por exemplo. A fundamentação seria a do costume: naquele jogo, os jogadores do Porto não tinham sido agentes desportivos mas espectadores. De facto, estiveram uma boa hora e meia a ver o Arsenal jogar.
P.S.: O vigilante Rui Moreira (e uso aqui a palavra «vigilante» na dupla acepção de «pessoa atenta» e de «cidadão que participa em vigílias») resolveu assinalar o erro que cometi quando disse que o Benfica nunca tinha perdido uma final com o Porto, mesmo sabendo que, logo no dia seguinte, A BOLA publicou, a meu pedido, a frase que tinha saído truncada por lapso: «O Benfica, que tirando uma solitária vez em 1958 nunca perdeu uma final com o Porto…» Mas enfim, com o Porto no terceiro lugar, é normal que até os lapsos já corrigidos mereçam destaque.
Quanto às Supertaças, como é evidente, foram propositadamente deixadas de fora desta contabilidade. Talvez eu devesse ter sido mais claro mas, quando me referi a finais, curiosamente estava mesmo a falar de finais, que são aqueles jogos que ocorrem no fim de uma competição a eliminar, tipicamente após umas meias-finais. Não é o caso do jogo da Supertaça. Fica a nota para o futuro: as rectificações têm bastante mais credibilidade quando rectificam.
Por Ricardo Araújo Pereira, edição 1 de Maio de 2010 - Jornal "A Bola"
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